REGRAS RELATIVAS À DISTINÇÃO ENTRE O NORMAL E PATOLÓGICO A observação, conduzida de acordo com as regras que precedem, confunde duas ordens de fatos, muito dessemelhantes sob certos aspectos: os que são o que devem ser e os que deveriam ser de outro modo, os fenômenos normais e os fenômenos patológicos. Vimos inclusive que era necessário abrangê- los igualmente na definição pela qual deve se iniciar toda pesquisa. Mas, se eles, em certa medida, são da mesma natureza, não deixam de constituir duas variedades diferentes, que é importante distinguir. A ciência dispõe de meios que permitem fazer essa distinção? A questão é da maior importância; pois da solução que se der a ela depende a ideia que se faz do papel que compete à ciência, sobretudo à ciência do homem. De acordo com uma teoria cujos partidários se recrutam nas escolas mais diversas, a ciência nada nos ensinaria sobre aquilo que devemos querer. Ela só conhece, .dizem, fatos que têm o mesmo valor e o mesmo interesse; ela os observa, os explica, mas não os julga; para ela, os fatos nada teriam de censurável. 0 bem e o mal não existem para ela. A ciência pode perfeitamente nos dizer de que maneira as causas produzem seus efeitos, não que finalidades devem ser buscadas. Para saber, não o que é, mas o que é desejável, deve-se recorrer às sugestões do inconsciente, não importa o nome que se dê a ele: sentimento, instinto, impulso vital, etc. A ciência, diz um escritor já citado, pode muito bem iluminar o mundo, mas ela deixa a noite nos corações; compete ao coração mesmo fazer sua própria luz. A ciência se vê assim destituída, ou quase, de toda eficácia prática, não tendo portanto grande razão de ser; pois, de que serve trabalhar para conhecer o real, se o conhecimento que dele adquirimos não nos pode servir na vida? Acaso dirão que ela, ao nos revelar as causas dos fenômenos, nos fornece os meios de produzi-los a nosso gosto e, portanto, de realizar os fins que nossa vontade persegue por razões supracientíficas?