Doença e cosmovisão entre os mapuche
DOENÇA E COSMOVISÃO ENTRE OS MAPUCHE
Luís Silva Pereira
Sendo uma construção social, a doença varia de cultura para cultura e, numa mesma cultura, em momentos distintos da sua história. Falar sobre doença implica falar sobre o lugar que os seres humanos ocupam no concerto do mundo, as suas condições de trabalho, os benefícios e os malefícios que a natureza circundante encerra para aqueles que nela se integram, bem como dos indivíduos que podem interpretá-la, receitar tratamento e curar os atingidos. Assim, tomar a doença como objecto empírico de investigação conduz o antropólogo à busca de entender a cosmovisão do grupo estudado e a respectiva organização social. Este artigo consiste numa breve reflexão acerca dos resultados da experimentação destas hipóteses num trabalho de campo efectuado entre os mapuche do sul do Chile.
O trabalho de terreno e os dados nele recolhidos sustentam a teoria antro-
pológica, não têm início ou fim bem definidos e constroem-se com suportes materiais de natureza e texturas diversas. Antes de iniciar a escrita deste artigo e passado algum tempo desde o início da minha reflexão sobre o seu conteúdo, chegou uma carta “do terreno”. A sua remetente é uma amiga mapuche, residente na comunidade onde trabalhei de forma mais intensiva e constante, com quem tenho mantido correspondência ao longo dos anos. Repete-se, na escrita, o formalismo do encontro físico entre amigos, na casa de um deles: regra geral, as cartas começam por uma espécie de convite para entrar e me sentar à mesa onde a minha correspondente (e “anfitriã”) escreve, para olhar em volta e reconhecer a sua casa, para ver, através da janela à frente dessa mesa, como a chuva cai, incessantemente, dos altos céus mapuche. Depois de me sentir convocado a fazer-lhe companhia enquanto me escreve, depois de me visualizar à sua frente, a minha correspondente passa à narração dos principais acontecimentos desde o tempo em que me escreveu a