Direito
Jorge Miranda *
I
Formação das Constituições
1. Poder constituinte material e poder constituinte formal
I – A experiência histórico-comparativa mostra que o poder constituinte se manifesta em dois diferentes e sucessivos momentos.
Com efeito, por um lado:
a) O factor determinante da abertura de cada era constitucional é, não a aprovação de uma Constituição formal (ou a redacção de uma
Constituição instrumental), mas o corte ou a contraposição frente à situação ou ao regime até então vigente, seja por meio de revolução, seja por outro meio;
b) A entidade determinante do conteúdo fundamental de uma
Constituição é a entidade – força política ou social, movimento militar ou popular, monarca, outro órgão ou grupo – que toma a
* Professor Catedrático da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa.
Para não alongar excessivamente o texto, reduz-se ao mínimo as notas de pé de página.
A matéria desta comunicação consta do nosso Manual de Direito Constitucional, II,
5ª ed., Coimbra, 2003.
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decisão de inflectir a ordem preexistente e assume a inerente responsabilidade histórica;
c) Tal entidade, por virtude dessa decisão, pode, desde logo, assumir o encargo de elaborar e decretar a Constituição formal ou pode convocar ou estabelecer uma assembleia, um colégio, outro órgão para este fim;
d) O órgão que elabora e decreta a Constituição formal é solidário da ideia de Direito, do desígnio, do projecto correspondente à ruptura ou à inflexão e não poderia contradizer ou alterar essa ideia, esse desígnio, esse projecto sem nova ruptura ou inflexão, sem se transformar em entidade originária de uma diferente Constituição material; e) Só quando a ideia de Direito é democrática e a Constituição é aprovada pelo povo, directamente ou por assembleia representativa, tem o órgão da Constituição formal uma autoridade que entronca, só por si, na própria legitimidade da Constituição