direito pol tica e o sagrado
Paulo Ferreira da Cunha - Catedrático da Fac. Direito da Univ. Do Porto
I. INTRODUÇÃO
1. Tese
Direito é coisa sagrada. Sempre o foi. Se se comprovar a hipótese da trifuncionalidade indo-europeia, o Direito será não mais que uma especialidade decorrente da grande árvore constituída pela primeira função do político, a função mágica ou da soberania. Mas mesmo sem que se admita a validade desta tese, a verdade é que o Direito sempre lidou com o Poder, e com um estranho e misterioso poder que se impõe por meio de ritos e liturgias, pela força da Palavra - formas simbólicas e míticas como as das religiões.
Durante a Idade Média, o rei é o mais importante actor mítico; nos Tempos Modernos, a lei assume o principal papel, e na época contemporânea apenas o juiz pode ainda permanecer como o protagonista em que residem as esperanças de ordem. Todavia, num primeiro momento, arcaico, os traços do sagrado eram mais patentes, e já os Romanos, por seu turno, foram claríssimos nesta matéria: para eles, os juristas são sacerdotes da deusa Justiça. Se ao menos nisso os pudéssemos imitar...
2. Irrecusabilidade e Inefabilidade do Sagrado
O sagrado constitui uma das dimensões mais intangíveis e contudo irrecusáveis do Homem. A noção de sagrado é, da sua própria natureza, avessa à captação pelas malhas do logos. Se a ideia de numinoso, ou de ganz andere, com as investigações clássicas de Rudolf Otto [1] , podiam ter por momentos ajudado, já ultimamente, o repensar das perspectivas antropológicas de Marcel Mauss [2] e antropo-linguísticas estruturalistas de Lévi-Strauss [3] , levado a cabo por Annette Weiner [4] e Maurice Godelier [5] , parecem conduzir-nos a um beco ainda mais sem saída no plano da tradução ou significação do sagrado. No limite, o sagrado parece ser, antropologicamente, cientificamente, um sentido aberto, tão aberto que se arrisca - diríamos nós - ao não-sentido.
Já Lévi-Strauss considerara os conceitos-chave do sagrado han e