dilema racial brasileiro
Pra subir no adro da Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados
Quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
E de ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos são tratados."
(Haiti Caetano Veloso & Gilberto Gil)* * *
A analogia entre pobres e pretos de que trata a epígrafe acima remete-nos, a partir de Florestan Fernandes, às conseqüências do regime de escravidão no Brasil, mais precisamente ao momento de desagregação da ordem social escravista e da exclusão do negro do novo sistema de relações de trabalho.
Para Florestan Fernandes, o dilema racial brasileiro difere radicalmente da visão que ganhara força na Sociologia brasileira dos anos 30, centrada principalmente nos aspectos de ordem cultural da nossa sociabilidade, os quais supostamente indicariam a existência de uma "democracia racial" nos trópicos.
Ao tomar com referencial de análise a situação dos negros e mulatos no momento imediatamente posterior à abolição da escravatura, Florestan Fernandes infere que as benesses de ordem cultural tão amplamente ressaltadas por autores culturalistas, tais como Gilberto Freyre, - para quem todo brasileiro traz na alma, quando não no corpo também, a influência do africano na ternura, na música e na culinária, - contribuíam para camuflar a desintegração social do negro brasileiro que, em meio a evolução da sociedade e seus ciclos econômicos, ficara excluído do novo sistema de relações de trabalho e destituído de quaisquer iniciativas de ressocialização à nova ordem social baseada no trabalho livre.
Do ponto de vista estritamente jurídico, a partir da Lei Áurea de 1888 os negros figuravam como sujeitos legalmente livres, mas quais foram as implicações sociais dessa liberdade? Assumindo uma perspectiva que contrasta a ordem