Descartes: Um pensamento fundador
UM PENSAMENTO FUNDADOR
1. A necessidade da fundamentação geral do conhecimento. Uma aposta na metafísica Reforça-se, com René Descartes (1596-1650), a definição clara de uma teoria do conhecimento, tornada central nos pensadores modernos, que se manteria como núcleo crítico do pensamento filosófico europeu até ao dealbar do século XXI.
Mas os fundamentos desta teoria em Descartes não se podem dizer os mesmos na relação de Descartes com o futuro, nomeadamente com o criticismo de Kant e a fenomenologia de Husserl, cujos paradigmas concetuais, se reconhecem ter raízes no idealismo cartesiano, são, todavia, agnósticos por método e por destino. Por manter a filosofia na relação aberta com a metafísica e o seu âmago clássico de convicções teológicas, não caiu Descartes no agnosticismo, embora para ele não deixasse, ainda que sem propósito consciente, de lançar pontes, tanto a tendência que se projetou da sua gnosiologia para o imanentismo, como forma de pensar, e para o radicalismo criticista, como método de ciência do real e de interrogação das relações do homem com o mundo, quanto aquela cujas evoluções e ilações se polarizaram em torno do universo mecânico e se vieram a resumir na ideologia do mecanicismo.
Como recorda Alexandre Koyré, o «pensamento de Descartes segue a ordem clássica: depois da lógica, a física. Depois da física, a metafísica, que responde então a uma dupla exigência do seu pensamento: necessidade de certeza religiosa, necessidade de certeza científica»1[1]. O problema da mediação entre estas duas necessidades de certeza pôs-se com acuidade ao pensamento cartesiano, cujas convicções religiosas reagiram contra a visão empobrecida de um universo mecânico a vogar milagrosamente, por ter despedido Deus, sobre o nada.
A resposta de Descartes a esta conceção solitária de um cosmo ordenado e previsível veio-lhe do conceito de «infinito» e da sua aplicação à relação interior do pensamento e da alma humanos com o