Des-reterritorialização: percursos possíveis do romance afro-brasileiro recente
Des-reterritorialização: percursos possíveis do romance afro-brasileiro recente
Paulo C. Thomaz
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O que importa na realidade é ser “livre para abrir e cerrar” territórios, ter a capacidade – ou a possibilidade de escolha – para entrar e sair dali, passar ou permanecer, de acordo com a vontade ou a necessidade. Isso significa que temos o poder de nos tornar mais ou menos “controlados”, de realizar as articulações ou conexões que aprouvermos, dotando assim de significado ou de expressão própria o nosso espaço.
Rogério Haesbaert
Tratar de construir uma leitura crítica de uma obra ficcional que atravessa uma série de intricados territórios simbólico-culturais e históricos obriga-nos a avançar como um saber aproximativo e sem ambições totalizadoras principalmente no que diz respeito às categorias teóricas. Por uma parte, o romance Um defeito de cor, publicado em 2006 por Ana Maria Gonçalves, insere-se num conjunto de obras que vários críticos, adscritos a grupos de pesquisa ou instituições que há décadas estudam o tema, denominam afrobrasileiras, isto é, que versam sobre o pertencimento ao violento processo de mescla étnica, linguística, religiosa e cultural em curso no Brasil desde a vinda, de diferentes regiões da África, dos primeiros escravos. Apesar de não ignorarmos o efeito suavizador e conciliatório que essa categoria pode conter, o que diluiria o sentido político contido, por exemplo, em termos como “literatura negra”, coincidimos com a apreciação do pesquisador Eduardo de Assis
Duarte (2009), que assinala seu caráter desestabilizante, bem como sua plasticidade conceitual:
A afrobrasilidade, uma vez aplicada à configuração da literatura que se deseja pertencente à etnicidade afrodescendente, configurase [...] como perturbador suplemento de sentido ao conceito de literatura brasileira, sobretudo àquele que a coloca como “ramo” da
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Doutor em língua e literatura espanhola e hispano-americana e professor da