Tinha uma rotina quase religiosa, há mais de 50 anos. No fim da tarde, pegava sua cadeira de madeira, quase tão velha quanto ele e ia sentar embaixo da árvore plantada pelo seu pai, com um livro qualquer de poesias. A árvore já tinha passado dos cem anos, assim como a casa, enquanto ele entrava com dificuldade nos 80, cheio de cicatrizes externas e internas, que faziam de suas leituras na sombra parecerem mais com verdadeiras destruições aos pobres garotos da vizinhança e o costume desagradável (para ele) que elas tinham de ser felizes. Já tinha perdido as contas de quantos brinquedos e bolas tinha destruido e quantos garotos já tinham sido xingados veementemente por ele nesses últimos anos. Alguns, até já tinham seus próprios garotos barulhentos e felizes. Ele já tinha virado um personagem pitoresco para os garotos de Fepetira, um lugar pequeno, quase provinciano. Um mundo de calmaria no meio dos gritos e infernos do mundo civilizado. Ali, todo mundo se conhecia, todas as crianças brincavam juntas e todas, sem exceção, tinham o aviso prévio, antes de sair de casa, para não chegar perto do velho da cadeira da madeira azulada. Era considerado amargo, destruido, rancoroso, uma mancha abandonada e largada, na casa mais antiga e tradicional do vilarejo. Era um lugar cinza, no meio de um mundo colorido e cheio de vida, onde todo mundo era próximo. Menos Gaston Heracles, último descendente vivo de Armando Heracles, o fundador de Fepetira. A família inteira morreu em volta de sua cadeira, e quando só ele sobrou, sem amor, sem parentes, sem amigos e sem filhos, a tradição da casa se desmanchou. Gaston sobreviveu porque não saiu de sua cadeira, amargo e sem vontade de viver, desprezado por todos, no alto de seu descaso com tudo e de sua solidão. Mas nem sempre foi assim.
Gaston nasceu no auge da riqueza social de sua família. O terceiro filho do casal mais amado de Fepetira, Armando e Célia Heracles, veio ao mundo com pompas de um reizinho, já que depois de duas meninas,