Da etnografia ao indigenismo: uma trajetória antropológica
Da etnografia ao indigenismo: uma trajetória antropológica*
Alcida Rita Ramos
Departamento de Antropologia / UnB
Por que alguém escolhe ser antropólogo? Já me fiz esta pergunta muitas vezes e a faço periodicamente aos estudantes de pós-graduação. Será uma atração fatal que a disciplina exerce sobre um certo tipo de pessoas, será uma inapetência por outras profissões, ou uma combinação das duas coisas? Invariavelmente, as respostas que tenho obtido têm sempre um denominador comum: alguma coisa na história de vida das pessoas empurra-as para o que é inusitado, surpreendente. Tenho chamado essa “coisa” de descompasso, uma sensação quase sempre difusa de que eu e o meu meio social não estamos exatamente em harmonia, seja por efeito de uma migração, de uma experiência familiar dolorosa ou mal resolvida, ou da exposição a situações incômodas e até contraditórias. Em outras palavras, é uma insatisfação quase subliminar, subjacente à vida que vivemos de maneira aparentemente “normal”. É interessante notar que a própria sociedade que gera esse mal-estar também fornece saídas − umas mais honrosas que outras − com alternativas de acomodação aos portadores desses descompassos. Vem-me à lembrança a instituição indígena da berdache, pela qual os homens das sociedades guerreiras das planícies norte-americanas, sem vocação para a guerra, podiam legitimamente optar por assumir papéis femininos. Vestiam-se como mulheres, desempenhavam tarefas de mulheres e essa opção era plenamente respeitada e acatada por seus pares.
A exemplo desses índios, podemos dizer que, também entre nós, as pessoas que fogem aos cânones profissionais de uma sociedade industrial inclinada à produtividade econômica dispõem de alguns canais legítimos de expressão, como os vários caminhos abertos para as artes. Quero crer que a antropologia entra nesse nicho.
Por alguma razão que não é difícil vislumbrar, o fazer antropológico combina com quem procura satisfação existencial fora