cronica de ricardo Araujo
Antigamente, ser corajoso era enfrentar os silvos das balas. Agora, basta enfrentar os silvos. Passos Coelho foi à Beira Alta ouvir assobiar e só não recebeu uma medalha de valentia porque ninguém foi suficientemente valente para lha dar.
A vida está melhor para os mariquinhas. Na qualidade de mariquinhas, recebo a notícia com grande entusiasmo.
Não sei quem batalhou para que o mundo passasse a ser um lugar melhor para os mariquinhas, mas não fomos certamente nós, os mariquinhas.
Hoje é tão fácil ser corajoso que até os mariquinhas conseguem parecer valentes. Antigamente, ser corajoso era enfrentar os silvos das balas. Agora, basta enfrentar os silvos.
Passos Coelho foi à Beira Alta ouvir assobiar e só não recebeu uma medalha de valentia porque ninguém foi suficientemente valente para lha dar. Uma injustiça que vários comentadores procuraram reparar. Uns chamaram a atenção para o modo como ele suportou, de ouvidos nus, o som estridente que provinha das bocas perversas dos beirões. Outros enalteceram a bravura com que, rodeado de vários elementos das forças de segurança, esgrimiu argumentos com uma temível idosa. Fracos encómios para tão grande feito.
O herói enfrentou uma multidão traiçoeira e caprichosa. Tirando o facto de o desemprego ter aumentado, o PIB ter diminuído, a dívida pública ter crescido e as exportações terem baixado, ninguém se lembrava de uma única boa razão para que o primeiro-ministro tivesse de suportar uma vaia. Ainda assim, infligiram-lhe o castigo injusto e terrível da sibilação. Fizeram passar maldosamente o ar pela cavidade bucal e deixaram-no ressoar, produzindo a ressonância de Helmholtz. E teriam sido apupos fatais, não fosse a robustez física e moral de Passos Coelho.
Não há manual de ciência política que ajude a explicar Portugal. O Presidente da República evita assobios num dia e o primeiro-ministro enfrenta-os no dia seguinte. A pouca atenção que os politólogos dedicaram