Contos
À sua frente: uma senhora gorda com duas meninas pela mão, a do lado direito de vestido azul e carpins brancos, a do lado esquerdo de vestido rosa e carpins laranja; às suas costas: um pedreiro sem camisa, o tronco reluzente de suor, empurrando um carrinho-de-mão cheio de cal contra sua bunda, pedindo-lhe que se apressasse; do lado direito: como uma cerca de ferro com um cartaz desses que dizem "Atenção: homens em obra", ou coisa assim; do lado esquerdo: um outdoor que visto de muito perto, por sobre o ombro, limitava-se a grânulos muito salientes, talvez um par de lábios vermelhos entreabertos; por cima: o sol como um ovo frito sem clara num céu lavado de janeiro; por baixo: os buracos da calçada; em volta, além ou longe ou mesmo perto: o rumor dos automóveis, escapamentos abertos, motocicletas, caminhões.
E a grande merda escondida atrás de tudo, quando fechava a porta do apartamento sobre as costas das visitas, e então olhava os pratos sujos e a geladeira vazia, os cinzeiros cheios, os restos de presenças pelos cantos, e tinha pensado em pedir para qualquer um, um pouco mais, uma conversa qualquer, as pequenas estocadas rechaçando aproximações: os olhos circundados pela carne um tanto flácida, um tanto escura, que via no espelho depois. Da porta, olhava. E lavava pratos como quem suspira, verificava a água das plantas tocando nas pequenas folhas, enveredava pelo pouco espaço disponível ainda com a tontura de alguns goles a mais levando a mente para lugares inesperados. E a grande mentira das janelas escancaradas sobre os paredões, ou a televisão ligada e um olho após o outro escorregando para uma espécie de sono, e o visgo, então, ou um cigarro — havia os demais na sua vida, como se uma ação gerasse outra ou desse continuidade às anteriores, num ciclo sem fim, como uma passarela lisa onde escorregava amável, ao ritmo dos Vivaldi que escolhia especialmente para os vinhos brancos. Tinha vontade de vomitar, e não vomitava. Vontade de gritar e