Contos
Texto-fonte: http://www2.uol.com.br/machadodeassis/ Publicado originalmente em Jornal das Famílias, 1870.
I Estando um pouco arrufado com a dama dos meus pensamentos, achei-me eu uma noite sem destino nem vontade de preencher o tempo alegremente, como convém em tais situações. Não queria ir para casa porque seria entrar em luta com a solidão e a reflexão, duas senhoras que se encarregam de pôr termo a todos os arrufos amorosos. Havia espetáculo no Teatro de S. Pedro. Não quis saber que peça se representava; entrei, comprei uma cadeira e fui tomar conta dela, justamente quando se levantava o pano para começar o primeiro ato. O ato prometia; começava por um homicídio e acabava por um juramento. Havia uma menina, que não conhecia pai nem mãe, e era arrebatada por um embuçado que eu suspeitei ser a mãe ou o pai da menina. Falava-se vagamente de um marquês incógnito, e aparecia a orelha de um segundo e próximo assassinato na pessoa de uma condessa velha. O ato acabou com muitas palmas. Apenas caiu o pano houve a balbúrdia do costume; os espectadores marcavam as cadeiras e saíam para tomar ar. Eu, que felizmente estava em lugar onde não podia ser incomodado, estendi as pernas e entrei a olhar para o pano da boca, no qual, sem esforço da minha parte, apareceu a minha arrufada senhora com os punhos fechados e ameaçando-me com olhos furiosos. — Que lhe parece a peça, sr. Amaral? Voltei-me para o lado de onde ouvira proferir o meu nome. Estava à minha esquerda um sujeito, já velho, vestido com uma sobrecasaca militar, e sorrindo amavelmente para mim. — Admira-se de lhe saber o nome? perguntou o sujeito. — Com efeito, respondi eu; não me lembro de o ter visto... — A mim nunca me viu; cheguei ontem do Rio Grande do Sul. Também eu nunca o tinha visto, e no entanto conheci-o logo. — Adivinho, respondi; dizem-me que me pareço muito com meu pai. Conheceu-o, não? — Pudera! fomos