Cinema e discurso
“O tempo que passamos no cinema se espiralou e se espichou, como acontece com um bom filme, e, durante algum tempo, fiquei observando os detalhes técnicos... como cada cena era projetada e adaptada à seguinte, por que uma cena naquele momento e não mais tarde. (...) Não podemos morrer, não nos podemos ferir mais do que se podem ferir as ilusões na tela. Mas podemos acreditar que estamos feridos, com todos os detalhes agonizantes que quisermos.” (Bach, 1977)
O cinema é uma dentre várias invenções da humanidade pensadas para comunicar, informar, entreter. Assim, o cinema seria instrumento produzido no intuito de dar forma à ideias. Na tela, é possível criar um universo completamente novo, reproduzir dimensões da realidade, reconstruir eventos históricos, projetar expectativas de um futuro entre inúmeras outras possibilidades. É também possível fazer uso deste instrumento para fugir à realidade. O cinema pode ser tudo aquilo que o cineasta deseje.
Por outro lado, o cinema, da mesma maneira que a literatura e a história, é, também, um discurso, carregado de intenções e elementos subjetivos incontrolados. A dimensão do cinema enquanto discurso será o tema central do breve ensaio que se segue.
Enquanto discurso intencional, o cinema se faz instrumento das intenções do cineasta e da influência que este exerce sobre o público. Como assinala Bach, no trecho acima, do amplo leque de possibilidades narrativas, a seleção de cenas e detalhes, a ordenação dos fatos, o posicionamento da câmera são todos pensados e escolhidos no intuito de transmitir mensagens específicas ao espectador. Ao final do filme Elizabeth, de Shekhar Kapur, por exemplo, a rainha é apresentada de maneira austera, cabelos curtos, rosto branco, olhar penetrante e severo, diferindo tanto de sua imagem enquanto princesa quanto das feições de todas as outras pessoas presentes no salão do castelo. A rainha, nesta última cena, abdica de todos os seus sentimentos e desejos