Caítulo 3 Do Livro Perversão
5097 palavras
21 páginas
48COLEÇÃO “CLÍNICA PSICANALÍTICA”
Foi no artigo inacabado A divisão do ego no processo de defesa que Freud (1980b) desenvolveu a ideia de um ego clivado ou cindido, que funciona em dois registros não só diferentes, mas contraditórios, fato que põe em xeque sua ideia anterior da existência de uma função sintética do ego, condizente com a saída neurótica para o conflito edípico, quando o menino cede à evidência da castração e aceita a proibição que dela o livra. Isto pressupõe que, por oposição, o perverso deverá compor um cenário para sua vida sexual em que a castração seja constantemente negada.
Mas qual seria a diferença entre o psicótico e o perverso no que toca ao mecanismo da clivagem? Freud não se deteve sobre esse pormenor, que é, afinal, da maior importância.
Se para ele a clivagem do ego é um mecanismo geral e corrente, presente em um grau normal mesmo na organização neurótica da personalidade, tudo indica, então, que exista uma diferença quantitativa10: na psicose, a maior parte do ego se desliga da realidade, mesmo que em um canto recôndito ele mantenha o vínculo com ela. No perverso, a coexistência de duas atitudes opostas em relação à castração, durante toda a sua existência, seria a característica marcante.
Feito esse resumo da teoria freudiana da perversão, proponho que examinemos um caso clínico em seus detalhes para, posteriormente, estabelecermos as devidas correlações entre as observações clínicas e a teoria psicanalítica.
10
Tanto Joyce McDougall como Janine Chasseguet-Smirgel corroboram esta visão, a segunda de modo explícito (ver Chasseguet-Smirgel, 1991, p. 74).
3.
UM CASO CLÍNICO11
Passo a descrever a seguir um caso clínico que, certamente, pode ilustrar o funcionamento mental peculiar à perversão, bem como colocar em questão o delicado problema da clínica psicanalítica desse tipo de quadro. Julgo que esse caso contém elementos que nos permitem situar com precisão conceitos freudianos fundamentais sobre a perversão, bem como ideias