Camões "Amor é fogo que arde sem se ver"

351 palavras 2 páginas
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Os versos têm estrutura bimembre e contêm afirmativas que se repartem em enunciados contrários (antitéticos). Essas oposições simetricamente dispostas nos versos, acumulam-se em forma de gradação (clímax), para desembocar na desconcertante interrogação/conclusão do último verso sobre os efeitos do amor. As contradições, por vezes, são aparentes porque o segundo membro do verso funciona como complemento do primeiro, especificando-o e tornando-o ainda mais expressivo, quando confronta duas realidades diversas: uma sensível ("ferida que dói") e uma espiritual, que transcende a primeira ("e não se sente").

É o caso do 1º, 2º, 4º e 5º versos. No 1º verso, por exemplo, o segundo membro ("sem se ver" significa interiormente;) no 2º verso, o Amor "é ferida que dói (exteriormente) e não se sente" (interiormente); no 4º verso, o Amor "é dor que desatina (exteriormente) "sem doer" (interiormente) e, no 5º verso, a noção é a de que não é possível querer mais, de tanto que se quer, de tanto que se ama. Mesmo que se tome o referencial fogo como elemento de contraste entre os dois membros desses versos, este mesmo fogo, contraditoriamente, "arde sem se ver".

A reiteração do verbo ser ("É") no início dos versos, do 2º ao 11º, configura uma sucessão de anáforas, uma cadeia anafórica. O soneto inicia-se e termina com a mesma palavra - Amor -, sentimento contraditório, que é o tema da composição.

Quanto à métrica, os versos são decassílabos (dez sílabas poéticas), com predomínio dos

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