Cai chuva cai
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa,
Substitui o calor.
P'ra ser feliz tanta coisa é precisa.
Este luzir é melhor.
O que é a vida? O espaço é alguém para mim.
Sonhando sou eu só.
A luzir, em quem não tem fim
E, sem querer, tem dó.
Extensa, leve, inútil passageira,
Ao roçar por mim traz
Uma ilusão de sonho, em cuja esteira
A minha vida jaz.
Barco indelével pelo espaço da alma,
Luz da candeia além
Da eterna ausência da ansiada calma,
Final do inútil bem.
Análise do poema "Cai chuva. É noite."
"Cai chuva. É noite" é um poema ortónimo de Fernando Pessoa datado de 18/9/1920.
O período em causa - Setembro de 1920 - é bastante curioso na vida de Pessoa, pois ele nesta altura encontrava-se a namorar com Ophélia Queiroz e, no entanto, estaria a embarcar simultaneamente numa das piores alturas da sua vida a nível psicológico. Tanto era assim que, no fim deste ano, ele pensou seriamente em internar-se num manicómio, embora nunca o tenha realmente feito. Mas basta esta ideia para compreendermos um pouco o seu estado de espírito.
A temática do poema:
- a autoanálise, a autorreflexão.
O sujeito poético, refletindo sobre a sua vida, fala-nos dos seus desejos e das suas desilusões.
Análise do poema estrofe a estrofe:
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa
Substitui o calor.
P'ra ser feliz tanta coisa é precisa.
Este luzir é melhor.
Chove e é de noite
- Pessoa escrevia frequentemente de noite, porque sofria de imensas insónias e porque era também um período de maior tranquilidade.
- Ele podia ficar num dos escritórios em que trabalhava até mais tarde e, usando as máquinas de escrever emprestadas, escrevia a maior parte dos seus grandes poemas.
- A noite também era, simbolicamente, o oposto do dia:
> o dia significava a complexidade da vida, de ter de se relacionar com os outros e ter obrigações;
> a noite significava uma grande liberdade, a inexistência de obrigações ou sequer de uma