BACHELARD, Gaston. Conhecimento comum e conhecimento científico
Materialismo Racional, Edições 70, 1990.
"Peu d'hommes ont une connaissance nette de la ligne de démarcation qui sépare le connu du connu."
Lord Frazer, Esprit des blés et dos bois, Préface.
"Ce sont plutôt les générations qui se corrigent, que les hommes: c'est la jeunesse encore exempte de préjugés, et indiférente aux systèmes qui en juge le plus sainement."
De Lue, Lettres physiques et morales sur l'histoire de ta terre et do l'Homme, Paris,
1779, t. I, p. 174.
I
Várias vezes, nos nossos diferentes trabalhos consagrados ao espírito científico, nós tentamos chamar a atenção dos filósofos para o caráter decididamente específico do pensamento e do trabalho da ciência moderna. Pareceu-nos sempre cada vez mais evidente, no decorrer de nossos estudos, que o espírito científico contemporâneo não podia ser colocado em continuidade com o simples bom senso, que este novo espírito científico representava um jogo mais arriscado, que ele formulava teses que, inicialmente, podem chocar o senso comum. Nós acreditamos, com efeito, que o progresso científico manifesta sempre uma ruptura, perpétuas rupturas, entre conhecimento comum e conhecimento científico, desde que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência que, pelo fato mesmo de suas rupturas, traga a marca da modernidade. Se uma semelhante tese epistemológica foi tomada às vezes como um simples paradoxo, foi porque se a julgou sobre uma base ampliada onde o espírito científico — sobretudo formulado a partir das ciências humanas — tem uma audiência natural. Então o espírito científico continua e desenvolve as qualidades de clareza, de ordem, de método, de sinceridade tranqüila, que são o apanágio do homem inteligente de todos os tempos, do homem feliz por aprender, do
"honesto homem" tão característico da cultura clássica.
Mas precisamente o objetivo que nós assinalamos