AVELINO N
Revolta, ética e subjetividade anarquista
revolta, ética e subjetividade anarquista nildo avelino*
Há em nossa sociedade uma demanda constante de adesões e de mobilizações massivas tornadas “midiáticas” e “burocratizadas”, demanda que tem por finalidade sensibilizar a opinião, emocionar, indignar, apelar à solidariedade de todos e cada um. A exposição espetacular da exclusão social, de pessoas devastadas pela miséria, pela fome, pela guerra, pelas epidemias, enfim, há uma massa de sofrimentos que alimenta campanhas e solicita adesões, exige lágrimas, reclama indignações e nos pretende tornar doadores compulsivos.
Verdadeira laiscização da caridade, os jogos televisivos suscitam a compaixão e o desejo de ajudar. Porém, o objeto desta solidariedade não é mais o sofrimento do próximo como ocorria outrora, mas o sofrimento geral de toda gente; não se trata mais “... de dar a alguém que se conhece e menos ainda de esperar algo de um reconhecimento que nunca será recebido pessoalmente. O dom tornou-se um ato que liga sujeitos abstratos,
* Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, pesquisador no Nu-Sol e secretário do Centro,de Cultura Social de São Paulo. verve, 6: 171-196, 2004
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um doador que ama a humanidade e um donatário que encarna por alguns meses, o tempo de uma campanha de donativos, a miséria do mundo”1.
Há também nessas mobilizações algo que beira totalitarismo. É que elas reclamam um conformismo prévio em relação às verdades que veiculam e provocam adesões irrefletidas que pressupõem o apagamento de todo registro ético. Trata-se de ver, portanto, um outro aspecto dessas adesões massivas e involuntárias que diz respeito à dominação ou, em todo caso, a uma forma de dominação. É preciso ver nelas a legitimação de uma realidade histórica e conceitual com efeitos de poder, legitimação de verdades que estão sempre ligadas às instâncias de poder; e legitimação, enfim, que, longe de ser ocasional, está no cerne da nossa tradição ocidental da