Auto da Compadecida
Aluno(a)________________________________________________________________|Nº_______________
O AUTO DA COMPADECIDA
Leia este fragmento do texto da peça Auto da compadecida, de Ariano Suassuna.
A cena transcrita acontece depois que morre o cachorro de estimação da mulher do padeiro, patrão de João Grilo. Ela e o marido querem que o animalzinho tenha um enterro em latim, rezado pelo padre, que se recusa a tal disparate.
João Grilo (chamando o patrão à parte) — Se me dessem carta branca, eu enterrava o cachorro.
Padeiro — Tem a carta.
João Grilo — Posso gastar o que quiser?
Padeiro — Pode.
Mulher — Que é que vocês estão combinando aí?
João Grilo — Estou dizendo que, se é desse jeito, vai ser difícil cumprir o testamento do cachorro, na parte do dinheiro que ele deixou para o padre e para o sacristão.
Sacristão — Que é isso? Que é isso? Cachorro com testamento?
João Grilo — Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, com a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoado pelo padre e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a bênção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão. Sacristão (enxugando uma lágrima) — Que animal inteligente! Que sentimento nobre! (calculista) E o testamento? Onde está?
João Grilo — Foi passado em cartório, é coisa garantida. Isto é, era coisa garantida, porque agora o padre vai deixar os urubus comerem o cachorrinho e, se o testamento for cumprido nessas condições, nem meu patrão nem minha patroa