Auto da Compadecida - Análise
Autora: Telma Cristina Jesus de Castro
A Memória Cultural em Auto da Compadecida
O traço mais marcante do teatro medieval é que começou como uma comunhão na igreja e terminou como uma festa comunal. Mais uma vez, a humanidade, emergindo de um novo vagalhão de barbarismo, com a ajuda da religião, encontrou na dramaturgia um órgão potente para exprimir tanto a realidade comum quanto as aspirações. Mais uma vez, o teatro mostrou sua adequação como ponto de encontro do homem com Deus. Na verdade, Deus foi o protagonista visível e invisível das peças medievais. Ao mesmo tempo, o teatro, mais uma vez, ofereceu à sociedade o ensejo de afirmar uma unidade espiritual essencial, dando ao indivíduo uma sensação indispensável, mas relativamente livre de regras, de pertencer a algo maior do que a si mesmo. Brotando disso, surgiu na Idade Média aquela mistura de reverência e alegria ou de servidão e liberação que com tanta frequência é a própria alma do drama. (GASSNER, 1974, p.155).
Ao analisar a estrutura da peça, podemos perceber características que dominam a literatura dramática da Baixa Idade Média presente no texto: texto teatral não dividido rigorosamente; mistura de elementos sacros e profanos (nos temas, nos personagens, no espaço de ação); utilização de uma linguagem popular (que não exclui o erudito) com passagens em verso, destinadas a reconhecer e recolher uma tradição cultural oral; mistura de elementos trágicos e cômicos, solenes, sublimes e grotescos.
Ariano Suassuna constrói seus textos teatrais a partir do universo da cultura cômica popular nordestina, que por sua vez, possui traços da tradição ibérica medieval. No teatro suassuniano, o palco é o local privilegiado de imitação da vida. Assim, as peripécias de João Grilo e Chicó no decorrer do texto nos mostram um mundo "às avessas", uma nova ordem inversa à oficial. Como exemplo dessa inversão,