Atividade
Rubem Alves
Crônica publicada no jornal Correio Popular de Campinas em 14/5/2000 Aforismo que repito sempre: ''Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo". O poeta T.S. Eliot, que o escreveu, pôs o fugitivo no singular: um ser solitário. E era assim que eu sempre me sentia, andando sozinho na direção contrária. Mas, repentinamente, descobri um outro "fugitivo", um velho de longas barbas e que fumava um charuto fedorento.
Não gosto de cheiro de charutos. Mas gosto de companhia. Aproximei-me dele e o reconheci. O nome dele era Karl Marx. Fiquei espantado porque sempre pensei que ele se encontrava no meio da multidão dos que andam para frente, os modernos, eco-nomistas, cientistas, pois foi isso que sempre disseram dele os que se diziam seus intérpretes. De fato, as roupas que ele usava eram modernas, feitas de tecido fabricado naquelas tecelagens (que ele odiava) onde trabalhavam mulheres e crianças 16 horas por dia, para enriquecer os donos. Evidentemente faltavam-lhe tempo e habilidade para fazer o que fazia aquele outro retrógrado chamado Gandhi, que tecia seus próprios tecidos num tear doméstico que ele afirmava ter poderes terapêuticos e sapienciais. Percebi que ele era moderno por fora, mas o seu coração era retrógrado; andava para trás. Como o meu.
Psicanalista, presto atenção nos detalhes, os lapsus, e foi assim que descobri esse segredo que ninguém mais sabia: um pequeno texto... Ele dizia nesse texto que o operário, ao ver o objeto que produzira, tinha de ver o seu próprio rosto refletido nele. Cada objeto tem de ser um espelho, tem de ter a cara daquele que o produziu, Quando o operário vê seu rosto refletido no objeto que ele produziu, ele sorri feliz. O trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a pena: foi dor de parto. Agora, meu leitor, peço-lhe: ande por sua casa e examine os objetos modernos que há por lá: liquidificadores, torradeiras, fogões, computadores. Olhando