As gramaticas
Sírio Possenti
Uma pergunta que se pode ouvir com freqüência é o que diz a gramática sobre determinado caso. A pergunta sempre inclui esse artigo definido, "a", que se emprega, como se sabe, para referir a um objeto definido. "O presidente do Brasil" inclui duas instâncias de "o", e isso significa que há um e um só presidente - no mundo desse texto - e que o Brasil é uma República, ou que se sabe que há um presidente e que um certo país se chama Brasil. A expressão pode referir-se a Lula ou a FHC etc., conforme a data em que for proferida. Quem inclui "a gramática" em uma pergunta dá a entender que há uma só. Ora, tal posição só pode ocorrer se as pessoas não conhecerem mais de uma, se tiverem sido enganadas a vida toda.
A questão mais interessante, no entanto, nem é o fato de haver mais de uma gramática, isto é, de que há discordâncias entre gramáticos sobre as doutrinas que adotam e expõem, ou, pelo menos, sobre aspectos de tais doutrinas, das análises, das regras, das definições etc. O que é mais interessante é que as gramáticas tratam de temas muito diversos, coisa de que, eventualmente, não nos damos conta, e por isso fazemos belas saladas quando puxamos o assunto. Vou exemplificar brevemente essa heterogeneidade.
Se alguém se der ao trabalho de compulsar um desses volumes chamados Nova, Novíssima, Moderna gramática da língua portuguesa, às vezes apresentada também como normativa, resumida, bem humorada etc., pode se surpreender.
Esses volumes tratam de vários domínios, que são bastante diversos uns dos outros. No mínimo, incluirão dois aspectos completamente diferentes entre si, embora pareçam semelhantes ou eventualmente interfiram um no outro.
Um desses aspectos consiste na reunião de um conjunto de regras que devem ser seguidas por quem queira "falar e escrever corretamente". São, por exemplo, regras ortográficas (grafia, divisão silábica, uso de maiúsculas e minúsculas etc.) e de pronúncia (de umas poucas palavras, talvez de