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Ivory Coelho Neto
Procurador de Justiça e ex-presidente da AMP/RS
Recentemente, diversas declarações peremptórias, definitivas, foram feitas, segundo as quais, sem cadáver, não haveria homicídio. São falsas essas afirmações. O problema está na confusão que fazem entre corpo de delito e cadáver. Este não é sinônimo daquele, como muitos supõem. Cadáver é o corpo da pessoa morta, que não se confunde com o corpo de delito.
Corpo de delito é o conjunto dos vestígios materiais, sensíveis, deixados pelo crime. Pode ser provado diretamente, através do exame de necropsia, por exemplo, em casos de homicídio. A autopsia é o exame pericial do corpo de delito. Demonstra a morte e o que a causou. Quando o defunto não é encontrado, impossibilitando o exame, o crime poderá ser demonstrado por outras provas.
O Código de Processo Penal permite expressamente que, inviabilizada a prova pericial, esta possa ser suprida por testemunhas. O que este proíbe é a confissão como forma isolada de suprir a perícia, para evitar a autoincriminação falsa. A Constituição Federal, por sua vez, veda somente a utilização de provas ilícitas. Todas as provas obtidas legalmente poderão ser usadas no processo. Seria rematado absurdo que um homicida, na presença de dezenas de testemunhas, ao jogar em alto-mar (ou em uma caldeira) o corpo da vítima, impedindo-lhe o resgate, ficasse impune. O Direito deve ser interpretado com inteligência. Interpretação alguma pode ferir o bom senso.
Logo, ainda que não se encontre o corpo do falecido, o criminoso poderá, sim, responder pelo crime. O que não pode ocorrer é condenação sem prova, direta ou indireta, do corpo de delito. Antes de procurar o homicida, é necessário ter-se a certeza de que houve o homicídio. Se a questão, sob o ponto de vista técnico-jurídico, é simples, na prática não o é. A prova testemunhal, para substituir a perícia e deixar certa a existência do delito, haverá de ser robusta, contundente,