ARTIGO Descartes os medicos 02
Vol.médicos
1, No. 3, 2003, p. 323-36
Descartes e os médicos
Marisa Carneiro de Oliveira Franco Donatelli
resumo
A proposta deste trabalho é fornecer uma visão geral da participação de Descartes no debate concernente a questões médicas, a partir da correspondência mantida com Plempius, Regius, Van Beverwick e Van
Hogelande. Essas cartas constituem importante registro da atuação de Descartes junto aos médicos, acompanhando as descobertas da época, discutindo-as e atualizando seus escritos. Além disso, essa correspondência fornece as bases para um estudo sobre o desenvolvimento que a medicina cartesiana teve na
Holanda, por alguns de seus interlocutores ligados à medicina.
Palavras-chave ● Cartesianismo holandês. Medicina cartesiana. Método cartesiano e experiência.
I
A Holanda, no século XVII, vivencia um rico período na medicina, de tal forma que se destaca nesse setor , ao lado dos grandes centros já instituídos, como é o caso da Itália, por exemplo, uma vez que os estudos mais recentes têm boa recepção por uma parte dos médicos que se opõe ao ensinamento pautado exclusivamente na tradição. Aí a medicina deixa de enfatizar as especulações teóricas e volta-se para a experiência como método, de forma que a observação torna-se a base do estudo, por meio das dissecações e das vivissecções. Amsterdã torna-se um centro de referência no campo da anatomia humana que constrói toda a sua fundamentação a partir de Vesalius, ao lado de
Leiden, que se destaca pelas coleções de corpos dissecados muito bem conservados
(cf. Fosseyeux, 1923, p. 4).
A prática de dissecação é difundida de tal forma que, mesmo em cidades desprovidas de universidades, como era o caso de Dordrecht e Haia, são organizados cursos públicos de anatomia, da mesma forma como nas universidades as aulas públicas de dissecação passam a atrair um público cada vez maior, não composto, necessariamente, apenas por estudantes (cf. Zumthor, 1989, p. 184). Esse interesse pela anatomia