Análise d'Os Lúsiadas- "Vem a fazenda a Terra"
A agasalhou o infame Catual;
Co ela ficam Álvaro e Diogo,
Que a pudessem vender pelo que val.
Se mais que obrigação, que mando e rogo,
No peito vil o prémio pode e val,
Bem o mostra o Gentio a quem o entenda,
Pois o Gama soltou pela fazenda.
Por ela o solta, crendo que ali tinha
Penhor bastante, donde recebesse
Interesse maior do que lhe vinha
Se o Capitão mais tempo detivesse,
Ele, vendo que já lhe não convinha
Tornar a terra, por que não pudesse
Ser mais retido, sendo às naus chegado
Nelas estar se deixa descansado.
Nas naus estar se deixa, vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia já do cobiçoso
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
A Polidoro mata o Rei Treício,
Só por ficar senhor do grão tesouro;
Entra, pelo fortíssimo edifício,
Com a filha de Acriso a chuva d' ouro;
Pode tanto em Tarpeia avaro vício
Que, a troco do metal luzente e louro,
Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quási afogada em pago morre.
Este rende munidas fortalezas;
Faz trédoros e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.
Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!
a. Resumo do acontecimento narrado nas estâncias 94 e 95;
O “infame Catual”, com medo que o Reis Samorim descobrisse, propõe, em troca da liberdade do “Capitão Lusitano”, a entrega de uma “fazenda” (mercadorias), já que esta lhe trazia grande interesse.
b.