antropolo
(extraído de LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva. Edições Loyola: São Paulo, 2000 para uso exclusivamente didático)
A Terra
A Terra, a grande Terra nômade foi o primeiro espaço ocupado pela humanidade. Nossa espécie produziu a Terra, elaborando o mundo humano como tal. A Terra é justamente o mundo de significações, que irrompe no paleolítico, na linguagem, nos processos técnicos e nas instituições sociais. A humanidade inventou a si própria, desenvolvendo a Terra sob seus passos e em torno dela, a Terra que lhe alimenta e que lhe fala, a Terra que perpetuamente ele recria por meio de seus cantos, seus atos rituais. A Terra não é o solo originário, nem o tempo das origens, mas o espaço-tempo imemorial ao qual não se pode atribuir origem, o “espaço desde sempre presente” da espécie, que contém e supera o começo, o desdobramento e o futuro do mundo humano. A Terra não é um planeta, nem mesmo a biosfera, mas um cosmo em que os seres humanos estão em comunicação com os animais, plantas, paisagens, lugares e espíritos. A Terra é esse espaço em que os homens, as pedras, os vegetais, os animais e os deuses se encontram, falam-se, fundem-se e separam-se, para se reconstruir perpetuamente. A Terra é o lugar das metamorfoses, as de Ovídio, as de Empédocles ou as de Lucrécio, as que povoam os sonhos dos aborígenes da Austrália, as de todos os grandes relatos míticos. Sobre a Terra, tudo é real, e a visão obtida em transe, a fala inspirada pelos deuses não contradizem necessariamente o juízo prudente. Sobre a Terra nômade, o sonho e o despertar não são confundidos, mas sustentam-se, interpretam-se e alimentam-se reciprocamente. O animais vivem em um nicho ecológico. O homem excede imediatamente todo o nicho, vive sobre uma Terra que ele elabora e reelabora constantemente por meio de suas linguagens, ferramentas e edifícios sociais complicados e sutis, nos quais se mescla constantemente ao cosmo. O homem não vive em