Antes de nós mesmos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.
Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.
Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.
Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.
Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga.
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?
• Relação Nós / Natureza
Estabelece-se uma relação entre «nós» e os elementos da Natureza, que é caracterizada por:
- uma similitude de condições que decorre da participação da mesma realidade perene («Antes de nós nos mesmos arvoredos / Passou o vento, quando havia vento, / E as folhas não falavam / De outro modo do que hoje.» - vv. 1-4; «Não fazemos mais ruído no que existe / Do que as folhas das árvores / Ou os passos do vento» - vv. 6-8);
- uma dissimilitude de condições que decorre da finitude e da transitoriedade que caracterizam o homem e a sua consciência do tempo («Passamos» - v. 5) e da consciência da inutilidade do esforço humano («agitamo-nos debalde» - v. 5).
• Epicurismo
A terceira estrofe contém uma exortação à fruição calma do momento, à serenidade epicurista do contacto directo com a Natureza («Tentemos pois com abandono assíduo / Entregar nosso esforço à Natureza» - vv. 9-10), e ao desejo único de identificação com ela («E não querer mais vida / Que a das árvores verdes.» - vv. 11-12), numa indiferença à perturbação causada pela ameaça inelutável do destino.
• Alternância entre 1.ª pessoa do plural e 1.ª pessoa do singular
Nas quatro primeiras estrofes do poema, refere-se um destino comum a todos os homens, através do recurso a um sujeito plural («nós» - v. 1, «Passamos» - v. 5, «agitamo-nos» - v. 5, «Não fazemos»