Adorno
“A astrologia”, diz Adorno, “à maneira de outras crenças irracionais, como o racismo, oferece um atalho, reduzindo o que é complexo a uma fórmula prática e oferecendo, simultaneamente, uma agradável gratificação: o indivíduo que se sente excluído dos privilégios educacionais pode, ainda assim, pertencer a uma minoria que está “por dentro””.
Essa descrição da astrologia aplica-se bem a inúmeras outras ideologias, religiosas e laicas. Como pretendo dizer algo tanto sobre aquelas quanto sobre estas, mas não há espaço para isso tudo numa só coluna, falarei apenas das religiosas neste artigo, deixando as laicas para o próximo.
Lembremo-nos, por exemplo, do Cristianismo primitivo. Segundo seu verdadeiro fundador, o apóstolo Paulo, Deus disse: “Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes”. Paulo pergunta: “Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” E explica, adiante: “Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus [...] O Senhor conhece os pensamentos dos sábios e sabe como eles são fúteis”. No lugar da sabedoria deste mundo, Paulo propõe a fé, que, como diz, não se baseia na sabedoria humana, mas no poder de Deus.
Com essas penadas são varridas, entre outras coisas, a filosofia, a ciência, a medicina, a história, a retórica, a literatura clássicas. As obras de Platão, Aristóteles, Epicuro, Lucrécio, Euclides, Arquimedes, Hipócrates, Heródoto, Tucídides, Demóstenes, Cícero, Homero, Hesíodo, Píndaro, Virgílio e inúmeros outros são cassadas, entre as quais (segundo a sabedoria dos sábios, a inteligência dos inteligentes e a erudição dos eruditos, tanto da época de Paulo quanto da nossa) algumas das maiores jóias preciosidades jamais