1409 FiloTecno 2015 1 7

1611 palavras 7 páginas
Deep Blue ou a melancolia do computador1

Jean Baudrillard

O confronto de um ser humano e de um artefato “inteligente” (Kasparov contra Deep Blue) é altamente simbólico, não somente pelo prestígio do jogo de xadrez, mas porque resume o dilema do homem face às máquinas contemporâneas que utiliza: informatizadas, virtuais, cibernéticas, em rede, etc.; por trás do uso instrumental, criativo ou interativo, trata-se no fundo de uma partida, de uma compe­tição, de um desafio, de um confronto em que qualquer um pode fracassar ou perder a dignidade. Não há interatividade com as máquinas (tampouco entre os homens, de resto, e nisso consiste a ilu­são da comunicação). A interface não existe. Sempre há, por trás da aparente inocência da técnica, um interesse de rivalidade e de domi­nação. O jogo de xadrez nada mais faz do que radicalizar essa situação.
Kasparov venceu enfim o computador, e todo mundo ficou aliviado, pois era um pouco a honra da espécie que estava em jogo. Mesmo se a inteligência humana deverá um dia se confessar vencida, esse momento deve ser adiado pelo maior tempo possível. Eis o que torna aliás essa vitória levemente ambígua, pois mesmo se não foi falsificada (e certamente não o foi), Kasparov não podia, de qual­quer maneira, deixar de ganhar. O homem, ao mesmo tempo que sonha com todas as suas forças em inventar uma máquina mais forte do que ele mesmo, não pode admitir a possibilidade de não ser o mestre de suas criaturas. Tanto quanto Deus. Poderia Deus ter sonhado em criar o homem superior ao criador e em enfrentá-lo num combate decisivo? (com Deep Blue, era com uma espécie de divin­dade técnica, um superego técnico de essência divina, que Kasparov media forças). É o que, contudo, fazemos com nossas criaturas cibernéticas, às quais oferecemos a oportunidade de nos derrotar. Mais: sonhamos que nos ultrapassam. Isto claro como signo de nossa po­tência, mas não o suportamos tampouco. O homem encontra-se dessa forma preso à utopia de um duplo superior

Relacionados