O Visconde de Bragellone

101175 palavras 405 páginas
O VISCONDE DE BRAGELONNE
06

ALEXANDRE DUMAS

Ilustrações de
NICO ROSSO

Tradução e notas de
OCTAVIO MENDES CAJADO

Capítulo I
DE MAN HÃ

Ao pé do destino lúgubre do rei encerrado na Bastilha e roendo com desespero grades e fechaduras, a retórica dos cronistas antigos não deixaria de colocar a antítese de Filipe dormindo sob o pátio real. Não que a retórica seja sempre má e sempre mal semeie as flores com que pretende afeitar a história; escusamo-nos, porém, de pulir a antítese para desenhar outro quadro, destinado a servir de contraste ao primeiro.
Desceu o jovem príncipe do quarto de Aramis como descera el-rei do quarto de Morfeu. Abaixou-se lentamente a abóbada pre­mida pelo Sr. d'Herblay, e Filipe se viu diante do leito real, que tornara a subir depois de haver deposto o prisioneiro nas profun­das dos subterrâneos.
Só em presença daquele luxo, só diante de todo o seu poder, só em face do papel que lhe cumpria representar, Filipe sentiu pela primeira vez abrir-se-lhe a alma às mil comoções que são as batidas vitais de um coração de rei.
Empalideceu, porém, ao considerar o leito vazio, amarfanhado ainda pelo corpo do irmão.
O cúmplice mudo voltara depois de haver servido à consumação da obra. Voltara com os vestígios do crime, falando a linguagem franca e brutal que o cúmplice nunca se arreceia de empregar com o cúmplice. Dizia a verdade.
Abaixando-se para enxergar melhor, avistou Filipe o lenço ainda molhado pelo suor frio que escorrera da fronte de Luís XIV. Aquele suor espavoriu-o, como o sangue de Abel estarreceu Caim.
— Eis-me face a face com o meu destino — murmurou, olhar em brasa, rosto lívido. — Será êle mais apavorante do que foi dolo­roso o meu cativeiro? Obrigado a seguir a cada instante as usurpa­ções do pensamento, lembrar-me-ei de ouvir os escrúpulos do cora­ção?... O rei descansou nesta cama; foi a cabeça dele que fêz este vinco no travesseiro, foi a amargura de suas lágrimas que umedeceu este lenço, e eu

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