O prisioneiro da grade de ferro (auto-retratos) - autoria e autoridade em xeque: auto-retrato de um país
No início, uma imagem aparentemente abstrata vai se revelando uma imensa nuvem de fumaça cor de terra e branca. Esta nuvem se movimenta de forma estranha, e demoramos a entender que a imagem está sendo projetada de trás para a frente. A cada segundo e movimento, aquilo que vemos se torna mais e mais claro: a implosão de um prédio é mostrada no sentido inverso. E aí, com a magia audiovisual que só o cinema poderia captar, ressurge em nossa frente o complexo penitenciário do Carandiru: das cinzas da sua recente implosão, ele volta à existência. Afora o fascínio visual verdadeiro deste momento, muito mais importante é seu significado: implodido (como se isso fosse solução de algum problema), o Carandiru ressurge como uma assombração - há algo de sobrenatural naquele movimento às avessas. O Carandiru ter ido ao chão, nos diz a sequência e o filme, nada faz para resolver ou acabar com os problemas que ele sempre representou. Pelo contrário, só serve para tentar esconder (numa nuvem de fumaça) a realidade que ainda está nos presídios e na organização social-política de todo o país. O movimento essencial deste filme será (e daí a importância desta sequência inicial) trazer de volta este mundo que se pretende esconder, como o prédio ressurgindo das suas cinzas.
Chegaremos na sequência final e sua ligação com este início, mas antes é preciso falar do tal filme impressionante que está no meio deste início e deste fim. O maior dos méritos do Paulo Sacramento documentarista, que este filme revela, é sua curiosidade e humildade imensas. Mais importante do que ele é o seu filme e, muito mais ainda, seus objetos de olhar.