O Nascimento Fiel
Diário de um Feto Fiel
Resolvi ser um feto legal e não mover tanto, eu queria que minha mãe tivesse uma gravidez tranquila. Pelo menos foi assim até o dia 5 de outubro de 1977. Naquele dia, dei meu primeiro grande chute e foi tão forte que minha mãe gritou: —Gol!!! Naquele exato momento jogavam a primeira final do campeonato paulista de 1977. Foi um chute a la Palhinha, não pude gritar, pois a placenta estava cheia de água, mas fiz muitas borbulhas comemorativas. Era uma noite de quarta-feira, eu completava nove meses de ciclo fetal e faltava apenas um para que eu pudesse ver, finalmente, o que era a tal televisão, que transmitia os jogos do Corinthians. Ali, da barriga de minha mãe, eu só podia ouvir, com muito custo, a voz do Osmar Santos vindo de um radio que chiava muito. Como eu tinha uma imaginação muito fértil e ajudado pela narração rica em detalhes do tal Osmar, eu pude ser mais um Fiel entre os milhares de corintianos no “Panetone Stadium”.
Desde então eu fiquei muito nervoso, eu queria nascer rápido, para ver as finais do Paulista. Foi então que lembrei que não sabia falar, que necessitaria um vocabulário urgente. Desde esse momento mentalizei as quatro palavras que já havia decorado e por ordem as repetia: Corinthians, gol, mamãe, papai. Foi muito fácil, aprendi tudo que preciso para viver em apenas um dia. Era só nascer e desfrutar da vida Corinthial.
Domingo, 9 de outubro de 1977. Eu ainda não havia nascido, comecei a pensar em fazer um motim, uma greve de fome, ou, até mesmo, escrever uma carta para São Jorge. Mas tudo em vão, eu estava preso, envolvido por uma bolha elástica e cheia de água. De repente vi algo que poderia ser minha salvação. Pregada a minha barriga havia uma corda, parecia tudo que eu precisava para escapar. Preciso traçar um plano perfeito para minha fuga, pensei!
Não demorou muito e já estava tudo planejado. Vou dar socos e pontapés e fazer muitas borbulhas, e assim que vier o carcereiro e abrir a janelinha,