o homem que nao tinha graça
Não é que ele fosse feio - ele era horrível. Não, mentira. Era bonitinho, até, e eu talvez trocasse apenas o cabelo tigela, a camisa pra dentro da calça e as unhas roídas.
Mas era isso, um pediatra ousado, promíscuo e comedor de cutícula. Pediu um cartão meu em troca, respondi que sou pobre e que o único cartão que eu tinha era o Visa Eletron, que eu não empresto muito menos dou. Anotei meu número num receituário daqueles de tarja preta, e fui embora para casa.
Uma semana depois, me convidou pra sair. Escolheu, talvez sem saber, um bar que com certeza só contrata modelos como garçom. Ali, na cervejaria da Vila Mariana, não importa se você é talentoso nem se sabe equilibrar quatro Erdinger na bandeja, mas sim se é gato e tem bração. A mesa era quadrada, e o maitre (gostoso, claro) nos instalou um de cada lado, com três metros de distância separando nossas almas. Foi a sorte.
O pediatra, que deve saber operar um coração e transplantar dois rins, desconhecia toda e qualquer maneira de entreter uma mulher. Acho que nem se me cutucasse o sovaco com cosquinhas conseguiria me fazer rir, muito embora deva saber, porque é um homem inteligente, que as mulheres, assim como as fêmeas dos chimpanzés, apreciam e valorizam demais um parceiro com senso de humor. Mas, infelizmente, eu estava diante do incrível Homem que Não Tinha Graça Nenhuma - e por nenhuma eu quero dizer: NENHUMA.
Falou do rock bizarro que gostava, falou dos pais que moravam no Sul, falou falou falou, e, no meio de tanto verbo, o que mais me chocou era que não cabia qualquer gracejo