O grande mentecapto
Relato das aventuras e desventuras de Geraldo Viramundo e de suas inenarráveis peregrinações
Fernando Sabino
A mui nobre, distinta e formosa senhora dos meus afetos
Dona Lygia Marina de Sá leitão Pires de Moraes
De cujos encantos meu coração é cativo e a cujo estímulo deve esta obra o ter chegado a seu termo, dedico, ofereço e consagro.
CAPÍTULO I
De como Geraldo Viramundo, tendo nascido em Rio Acima, foi parar no seminário de Mariana, depois de virar homem, levado por um padre que um dia passou por lá.
O VERDADEIRO nome de Geraldo Viramundo, embora ele afirmasse ser
José Geraldo Peres da Nóbrega e Silva, era realmente Geraldo Boaventura, e assim está lançado no livro de nascimentos em Rio Acima. Seu pai, um português, tinha vindo para o Brasil em 189***, na primeira leva de imigrantes que sucedeu ao decreto de nova política imigratória da República recém-proclamada, e se casou no
Rio com uma italiana naquele mesmo ano. Como ele foi acabar morando em Rio
Acima, só Deus sabe.
Boaventura tinha junto à estrada sua casinhola, à frente da qual duas portas se abriam para o pomposamente chamado "Armazém Boaventura - Secos e
Molhados", não mais que uma venda, de cujos proventos vivia a família toda - e eram treze filhos.
Geraldo vinha a ser o caçula. Quando nasceu, o pai, temendo a crise que se sucedeu então à Guerra Mundial, cujas conseqüências poderiam chegar até Rio
Acima, adotou nova política com relação a dona Nina, sua mulher. Ou, mais precisamente, com relação às suas relações: deixou de fornicar com ela até que as coisas melhorassem. Já não era pouco ter de cuidar de treze meninos, que iam crescendo moleques de beira de estrada.
A estrada de Belo Horizonte passava na sua porta. Com o correr do tempo ela ia derrotando como fonte de renda a cidadezinha, onde logo se fez sentir a esmagadora concorrência de um grande empório aberto por uns italianos já donos da olaria. Mas a estrada era