O burrinho pedres
Conto narrado em 3ª pessoa. A onisciência do narrador é propositalmente relativizada, dando voz própria e encantamento às narrativas e acentuando sua dimensão mítica e poética.
Em O burrinho pedrês, primeiro dos nove contos, Guimarães procura mostrar, tendo como pano de fundo o mundo dos vaqueiros, que todos têm a sua hora e sua vez de ser útil. É o caso do burrinho Sete-de-Ouros: a gente segue a esperteza mansa do bicho, a sua finura de instinto e inteligência que o faz poupar-se, furtar-se a choques e maus pisos e, por fim, orientar-se e salvar-se numa cheia onde os cavalos afogam, carregando um bêbado às costas e ainda outro náufrago enclavinhado no rabo - ressalta Oscar Lopes.
O burrinho pedrês é uma estória que metaforiza a experiência da velhice, um burrinho experiente sabe se orientar onde cavalos de boa montaria sucumbem.
Neste conto, assim como em Conversa de bois e em A volta do marido pródigo, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.
A ironia do escritor vale-se do decadente burrinho para pôr a nu a onipotência presunçosa do homem, que julga controlar o próprio destino, ignorando as inesperadas surpresas que este lhe reserva. A perspectiva místico-religiosa, a luta entre o bem e o mal, os riscos morais que acompanham o homem no perigoso ofício de viver, são os temas preponderantes que alimentam a ficção.
Em Sagarana renasce o anônimo “contador de estórias”, o homem-coletivo que se enraíza nos rapsódias gregas e nas canções de gesta medievais. Desde o início do conto ("Era um burrinho pedrês...") esboça-se claramente a atitude ingênua e espontânea da “palavra lúdica”, que não aprisiona o falar nos limites rígidos do individualismo, mas se identifica com a palavra anônima e coletiva.
Seja pela fórmula lingüística caracterizadora da narrativa elementar, da fábula, da lenda ("Era um burrinho..."), tempo e modo verbais que, de imediato, tiram à narrativa o caráter