A trajetória da memória e do esquecimento em Mia Couto
Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim
Jeannie da Silva Menezes
Eis a nossa sina: esquecer para ter passado, mentir para ter destino.
O barbeiro de Vila Longe
I Golpes
A obra “O outro pé da sereia”, do autor moçambicano Mia Couto1, é uma construção literária de armadilhas que subverte as nossas imagens sobre a
África, realizando uma leitura do processo de descolonização portuguesa não baseada nas “tradicionais” narrativas que sempre teimam em apontar as peripécias do colonizador seguidas de suas maldades cometidas contra o colonizado ou, de certa vontade quase tirânica do colonizador, que mina qualquer sinal de resistência do colonizado. A despeito de uma África marcada em nosso imaginário pela presença do misticismo e da paisagem exuberante, no romance desfilam personagens singulares para os quais o tempo representa a possibilidade de múltiplas viagens interiores, que se cruzam no presente e no passado de Moçambique.
As linhas tênues que atravessam os tempos, personagens e paisagens na narrativa de Mia Couto se desdobram em torno de mais de quatrocentos anos e iniciam-se ainda no porto de Goa, no ano de 1560, quando D.Gonçalo, provincial dos jesuítas na Índia Portuguesa, monta uma expedição a fim de levar a fé cristã.
Iniciava-se, desta forma, uma viagem sempre marcada pela presença da imagem de Nossa Senhora ou, como foi assimilada mais tarde, divindade africana das águas. O motivo da missão era o batismo na fé cristã de um Imperador negro, soberano da corte do Império Monomotapa, cujos domínios, acreditavam, se estendiam
Professora da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Mestre em História do Brasil (UFPI) e Doutoranda na linha de pesquisa de Cultura e Memória (UFPE).
Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Mestre e Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
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