A revanche
Fitou subitamente a imagem da moçoila em um quadro fixo junto à cabeceira da cama. E toda a carranca desmoronou com uma presteza insofismável, para dar lugar a uma rara mansidão e modéstia. Deixara a virilidade de lado por algum tempo, rendendo-se aos predicados daquela amásia. Ali estava ele, finalmente, sem disfarces e com algum vestígio de virtude. O amor, invariavelmente, transformara o homem valoroso, iracundo e inóspito, em um mancebo juvenil, mimoso e impressionável. “Como eu queria que você estivesse aqui”, refletiu, arriscando uma lágrima melancólica. Feito um caloiro parvo, segurou o nariz para evitar um espirro, abaixou a cabeça e retirou-se de cena poupando qualquer disparate.
Nos bastidores do dissabor, o sorrateiro ancião sentou-se diante do clássico piano de cauda para executar uma suíte para a trégua. Desfilando as notas manjadas da vida pedregosa, ele tinha a segurança de um herói não-invicto. Respirando a frialdade do espaço deixado pelo Sol, ele conseguia recordar-se, através das melodias invernais, de todos os dias exatamente iguais àquele, sintomático e quase perfeito, não fosse o ruído da campanhia a tolher-lhe a impressionabilidade. “Deve ser o recenseador”, previu, murmurando alguma desgraça. E tal qual um nababo probo, levantou-se compassadamente, ajeitou os trajes de dormir e ausentou-se sem inspirar nenhuma simpatia. Estava pronto para a revanche.