A oralidade em os sertões
O crítico uruguaio Angel Rama tratou, em La ciudad letrada, do papel das camadas letradas na América Latina, encarregadas das tarefas da administração colonial e da catequização da população indígena. Formada por profissionais, escritores e servidores intelectuais, que detinham a escrita em uma sociedade de analfabetos, a cidade letrada fazia a comunicação e a mediação entre a metrópole e os grupos locais, exercendo funções culturais e simbólicas nas estruturas de poder (Rama, 1984).
Euclides criou, em Os sertões, uma imagem de Canudos como cidade iletrada, dominada por fanatismos e superstições transmitidos de forma oral. Construiu um modelo interpretativo para dar conta das relações e conflitos entre a sua própria cultura, letrada e urbana, e a cultura oral sertaneja, marcada por mitos messiânicos e pela tradição católica. Procurou dar voz ao outro, objeto de seu discurso e inimigo de suas concepções políticas, ao incorporar textos destinados à oralização, produzidos segundo uma lógica mítica e religiosa que lhe era estranha.
Foi além da narração da guerra, ao construir uma teoria do Brasil, cuja história seria movida pelo choque entre etnias e culturas. Recorreu à teoria do sociólogo austríaco Ludwig Gumplowicz (1838-1909), que considerava a história guiada pela luta entre raças, com o esmagamento inevitável dos grupos fracos pelos fortes. Alarmado com o avanço da cultura estrangeira, lançou seu brado de alerta em Os sertões: "Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos" (Cunha, 1902:145).
O conflito entre Canudos e a República resultou, para Euclides, do choque entre dois processos de mestiçagem: a litorânea e a sertaneja. O mestiço do sertão apresentaria vantagem sobre o mulato do litoral, devido ao isolamento histórico e à ausência de componentes africanos, que tornariam mais estável sua evolução racial e cultural. "O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços