A mala de Enxoval

Eu sonhava com uma mala de enxoval.
Uma mala de madeira, gravada à mão, uma daquelas que um dia vi à venda na feira da vila.
Como eu sonhava com aquela mala!
Gravadas na madeira de mogno, estavam as imagens de Adão e Eva no paraíso, a pura encarnação da existência humana, tal e qual como os imaginava de cada vez que o senhor padre deles falava no sermão da missa, naqueles domingos que pediam sermões mais leves e amorosos, para aliviar as cargas pesadas e desprovidas de amor dos fiéis, que não passavam sem as palavras sábias e incontestáveis daquele homem de Deus.
Eu sonhava com uma mala de enxoval. Até porque o meu nome, Arlete, é nome digno de mala de enxoval. Aliás, é a própria mala de enxoval em si!
Curiosamente, a mala de enxoval com a qual sonhava, continha dentro dela todos os meus sonhos.
As malas, sejam elas de que tipo forem, são como os corações. Têm a particularidade de guardar em si todos os sonhos de quem se diz sonhador!
E eu era sonhadora! Vivia de sonhos, com sonhos e para os sonhos. Um deles era encontrar um noivo em forma de príncipe encantado, ou melhor, um príncipe encantado já com forma de noivo. Esse noivo tinha o Q de Quim!
Parece-me ter sido ontem a criança que abrigo na minha memória, e uma das recordações que guardo nesta criança, a da minha memória, é a do jogo dos namorados, que a minha amiga Aninhas tão sabiamente inventou!
Nessa brincadeira, o meu nome aparecia emoldurado num coração rabiscado a giz (pois o amor é assim, um monte de rabiscos!), ao lado do nome Quim. Um Quim conhecido, sonhado ou inventado pela Aninhas!
Por baixo do coração, podia ler-se em legenda empoeirada:
“Arlete e Quim, amor até ao fim”.
E uma seta entortada cortava o coração ao meio!
Eu sempre achei má ideia aquela seta, tão mortal, em cima de uma frase tão profética, mas era assim que tinha que ser, era assim a seta do cupido, um anjo gorducho que cisma pregar os rapazes às raparigas com setas cheias de amor de perdição, segundo dizia a Aninhas.