A lenda da vitoria regia
A enorme folha boiava nas águas do rio. Era tão grande que, se quisesse, o curumim que a contemplava poderia fazer dela um barco. Ele era miudinho, nascera numa noite de grande temporal. A primeira luz que seus pequeninos olhos contemplaram foi o clarão azul de um forte raio, aquele que derrubara a grande seringueira, cujo tronco dilacerado até hoje ainda lá estava.
“Se alguém deve cortá-la, então será meu filho, que nasceu hoje", falou o cacique ao vê-la tombada depois da procela. Ele será forte e veloz como o raio e, como este, ele deverá cortá-la para fazer o ubá com que lutará e vencerá a torrente dos grandes rios..."
Talvez, por isso, aquele curumim tão pequenino já se sentisse tão corajoso e capaz de enfrentar, sozinho, os perigos da selva amazônica. Ele caminhava horas ao léu, cortando cipós, caçando pequenos mamíferos e aves: porém, até hoje, nos seus sete anos, ainda não enfrentara a torrente do grande rio, que agora contemplava.
Observando bem aquelas grandes folhas, imaginou navegar sobre uma delas, e não perdeu tempo. Pisou com muito cuidado - os índios são sempre muito cautelosos- e, sentindo que ela suportava o seu peso, sentou-se devagar, e com as mãozinhas improvisou um remo. Desceu rio abaixo.
É verdade que a correnteza favorecia, mas contudo, por duas vezes quase caiu. Nem por isso se intimidou. Navegou no seu barco vegetal até chegar a uma pequena enseada onde avistou a mãe e outras índias que, ao sol, acariciavam os curumins quase recém-nascidos embalando-os com suas canções, que falam da lua, da mãe-d'água, do sol e de certas forças naturais que tanto temem.
Saltando em terra, correu para junto da mãe, muito feliz com a façanha que praticara:
"Mãe, tenho o barco. Já posso pescar no grande rio?"
"Um barco? Mas aquilo é apenas um uapé: é uma formosa índia que Tupã transformou em planta."
"Como, mãe? Então não é o meu barco? Você sempre me disse que eu um dia haveria de ter meu ubá..."
"Meu filho,