A intoxicação abafada
O medo de perder o emprego levou mais de cem funcionários de um hospital de Porto Alegre a manter silêncio sobre os graves sintomas e os transtornos causados às suas vidas, a partir de uma intoxicação no trabalho em junho de 1999. O inseticida clorpirifós, usado em oito postos de saúde comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), é conhecido na literatura científica como um agente persistente no ambiente e foi proibido em 2000 para quase todas as aplicações urbanas nos Estados Unidos, inclusive em hospitais. Mas ainda é usado sem essas restrições no Brasil.
Ao todo, foram expostos 142 funcionários — entre enfermeiros, atendentes e médicos — dos quais 112 apresentaram sintomas de contaminação. O clorpirifós é apontado em diversos estudos como um produto neurotóxico —ou melhor, causador de seqüelas neurológicas e neurocomportamentais — e prejudicial aos sistemas hormonal e imunológico. Segundo AngeloTrapé, toxicologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o clorpirifós é ainda um hepatotóxico, isto é, ataca também o fígado, podendo alterar enzimas do órgão e causar cirrose. Transplante forçado Sidônia Marlon da Fonseca, ex-agente comunitária, cujo fígado foi contaminadoEsse efeito hepatotóxico foi drástico para Sidônia Malon da Fonseca, 67 anos, separada, mãe de três filhas e, na época da intoxicação, agente de saúde comunitária no GHC. Ela se medicava desde 1993 para combater o vírus da hepatite C, mas levava uma vida normal. 'Em duas semanas, fiquei inchada e meu abdômen, cheio de líquido', lembra Sidônia, que teve uma cirrose e foi obrigada a fazer transplante de fígado. No período após a intoxicação, ela desenvolveu diabete, herpes nos olhos, tonturas e fortes dores de cabeça. Uma confusão mental também passou a acompanhá-la provocando 'brancos' em sua memória e um acidente