A face oculta da Caridade
A FACE OCULTA DA CARIDADE: 1 linhas de força e de fratura no discurso midiático do bem
Luciane Lucas2
Tânia Hoff
3
Resumo: Discutindo o conceito de cidadania e sua apropriação pela mídia como algo a ser ‘oferecido’ às minorias, este artigo analisa não só as condições materiais e simbólicas que envolvem a comunicação baseada na discursificação do bem, mas também as condições de legitimação do poder pelo uso abusivo do conceito de cidadania e a possibilidade política de um discurso de ruptura. Considerando a noção foucaultiana de linhas de força, discutimos como o uso midiático do termo cidadania pode resvalar, paradoxalmente, para a construção de representações sociais inadequadas e para o fenômeno social da humilhação, à medida que a autonomia das minorias é progressivamente minada por um discurso de docilização, que congela a alteridade na posição permanente de devedor.
Discutimos ainda a possibilidade de uma comunicação contra-hegemônica, comprometida com o empoderamento de minorias e com o sentido arendtiano de cidadania, calcado nas condições políticas de ação e palavra.
Palavras-chave: 1. empoderamento discursivo 2. humilhação social 3. cidadania
1. A outra face do ‘dom’ e a humilhação social por trás da discursificação do bem
O termo cidadania tem sido permanentemente empregado na mídia – e, na seqüência, banalizado em formas múltiplas de comunicação – como se encerrasse valores ou condições transferíveis a outros indivíduos. Ou seja, o uso do termo parece sugerir sempre algo que pudesse ser conferido a outrem ou que definisse um modelo de comportamento, uma postura diante do mundo. Na prática, entretanto, esta idéia - legitimada no senso comum e em algumas correntes do conhecimento - não se sustenta.
De modo mais profundo, o pensamento de Hannah Arendt, que adotamos no presente artigo, apresenta a cidadania como diretamente relacionada às condições de ação e