a alma perdida
Poemas de Camões
(Soneto)
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevessem.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co'o tormento,
Para que seus enganos não dissesse
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
As diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.
Luís de Camões
Comentário: Enquanto o destino (Fortuna) permitiu que alimentasse a esperança de alguma felicidade, o poeta dedicou-se a escrever os efeitos da mesma, naturalmente em versos amorosos. Porém, o Amor, temendo que seus enganos fossem divulgados, secou-lhe a inspiração. Assim, aqueles a quem o Amor sujeita às suas inconstâncias, mesmo que, em tais versos, leiam casos tão diferentes (quiçá contraditórios), deverão considerá-los verdades puras, e não o contrário, sendo que as compreenderão tanto melhor, quanto mais larga for a sua experiência amorosa.
1ª Parte, constituída pelas quadras: Esta 1ª parte está, igualmente, subdividida: na primeira quadra, observamos o papel coadjuvante do destino (Fortuna) e, na segunda, confrontamo-nos com o carácter oponente do Amor (nome também atribuído a Cupido, filho de Vénus). Note-se que a transição da primeira para a segunda quadra é feita através do conector (conjunção) adversativo "porém", o que, desde logo, antecipa a adversidade nela contida. 2ª Parte, constituída pelos tercetos, em que o poeta, apostrofando os que se sujeitam aos caprichos do Amor, adverte para a autenticidade de seus versos, cujo entendimento será tanto melhor quanto maior a experiência (porventura dolorosa) do mesmo amor. A estrutura interna bipartida também