Voltar a Ser

VOLTAR A SER
Por: Alberto Jaime Mambuque
Moçambique, 2007

A tarde tinha caído lentamente na noite que se prolongaria à madrugada até ao aparecimento de um novo dia, se não era tristeza, era alegria.
- Minha mulher, tu não achas que eu sou um maluco?
- Tu, um maluco, como assim?
- Eu acho que sou maluco. Há qualquer coisa em mim que não bate cem, uma espécie de maluquice.
- Por quê?
Chango sorveu mais um trago de nipa directamente do gargalo da xidjangua. A mulher, sua esposa, fez pausa nos seus movimentos de amassar o xima do jantar, olhou-o abanando a cabeça e, sem esperar uma resposta, comentou:
- Essa nipa é que está a tornar-te maluco.
- Não estou a brincar, há qualquer coisa na minha mente que não está bem.
Veja: vivo numa palhota, temos seis filhos e nenhum deles possui chinelos, andam descalços mas um par de chinelos é barato. Eu sou um professor, há mais de vinte anos, ganho um salário que pode suportar as mínimas necessidades da minha família mas vivo como se gostasse da pobreza. Não temos cama, nem chávenas, nem termo, nem chaleira, nem um copo de vidro, nem...
- O que se passa contigo, hoje? - Interrompeu-lhe a mulher olhando-o com ar aborrecido. Ela não gostava de falar da pobreza, muito menos da pobreza deles.
- Não estou contente com a minha situação, com as condições da minha família. Há professores jovens com poucos anos de serviço e já possuem casa própria e mobília e, eu, minha esposa, tristemente, eu não possuo essa ambição que

aqueles jovens possuem. O culpado sou eu mas o que mais me preocupa é não conhecer as razões dessa minha culpa.
- Alguma vez a culpa teve razão? Você já bebeu muito. Essa já é a terceira xidjangua que bebes, o melhor é comeres e, depois, dormires.
Chango olhou-a com expressão de indiferença dizendo:
- Talvez tu estejas também maluca. Como é que nunca te revoltaste contra mim por causa dessas injustificáveis precárias condições da nossa vida? Acho que tu também tens a mesma doença.
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