VINGAN A E DOM
“Em todos os lugares em que a organização se baseia nos laços de sangue, observamos a prática da vingança. A vida coletiva da comunidade encontra aí sua expressão; é uma força incompreensível que ultrapassa a esfera do indivíduo e se torna objeto de um respeito religioso.”
(Friederich Nietzsche)
A humanidade carrega consigo a semente da discórdia. A rivalidade no seu sentido mais amplo é o antagonismo latente entre comunidades que vivem em margens opostas do mesmo rio. Desde a mais remota antiguidade, o individuo busca o justo pagamento do que acredita ser devido na relação comunal ou intertribal, um ressarcimento, o retorno pelo meio da consumição de alguma coisa de outrem ou de alguém, e comete o ato da vingança através do roubo, do assassinato, da guerra e do sequestro do próximo, quase sempre mulheres ou crianças indefesas, do lado estabelecido como inimigo. Para atingir seus objetivos de rapina e morte os grupos sociais criaram instituições próprias de vingança com raízes pré-históricas. Como contrapartida, para o apaziguamento de conflitos e para acabar com o circulo vicioso da vingança criaram-se rituais específicos, quando então mercadorias e reféns são negociados, ou casamentos são celebrados para selar acordos e assim estabelecer trocas simbólicas para cessarem as hostilidades mutuas.
Mas a dádiva pode ser também um ato de agressão vingativa. Como dádiva, a pauta de comportamento vingativo tem seu papel em várias culturas como ato de ostentação.Depois dos inúmeros e qualificados escritos e comentários produzidos a propósito do Ensaio sobre a dádiva, e da produção cada vez mais importante das ciências sociais brasileiras sobre o tema,1 o que agregar sem ser repetitivo ou pretensioso? Neste texto abordarei apenas a questão da relação entre as noções de dádiva, troca2 e reciprocidade3 no Ensaio de Marcel Mauss, apoiando-me em algumas publicações recentes e sem pretender ser exaustivo. Desenvolverei uma reflexão em torno de um duplo paradoxo do