União Europeia
Jorge Miranda
I
1. O Estado constitucional, representativo ou de Direito surgiu nos séculos
XVIII e XIX, como Estado liberal, assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em conter o poder político tanto internamente, pela sua divisão, quanto, externamente, pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade. “Il faut que le pouvoir arrête le pouvoir”, ensinava MONTESQUIEU.
Quando instaurado, coincidiria com o triunfo da burguesia. Daí o realce da liberdade contratual, a absolutização da propriedade, a recusa, durante muito tempo, do direito de associação (dizendo-se que ela diminuiria a liberdade individual), a restrição do direito de voto aos possuidores de certo montante de bens ou de rendimentos, únicos que, tendo responsabilidades sociais, deveriam assumir responsabilidades políticas
(sufrágio censitário).
Contudo, como assinala GUSTAV RADBRUCH, na sua Filosofia do Direito (II, 4ª ed. portuguesa, Coimbra, 1961, 137-138), a liberdade reclamada pela burguesia, no seu interesse de classe, só pelo facto de ter sido reclamada sob a veste do direito, veio a aproveitar ao quarto estado e a redundar em prejuízo dos próprios interesses da burguesia sob a forma do direito de associação. “É justamente por efeito desta auto-regência do jurídico que até as próprias classes inferiores podem ter interesse na realização do direito estabelecido pelas classes superiores … Esse direito, apesar de ser de classe, é sempre direito e, sendo direito, jamais ousará apregoar francamente o interesse de classe dominante. Encontrá-lo-á sob a roupagem duma forma jurídica,
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Conferência proferida em 28 de Setembro de 2011, em Belo Horizonte, no XXXVII Congresso
Nacional de Procuradores de Estado.
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redundando, qualquer que seja o seu conteúdo, em benefício de todos os oprimidos”.
Seria, assim, menos em resultado das críticas doutrinais ao liberalismo, nas suas vertentes filosófica e económica