Um poema
Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras.
Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.
Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios.
Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.
Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços.
Cecília Meireles, in 'Poemas (1958)'
Como se Morre de Velhice
Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, morro, Senhor, de indiferença.
Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale à ofensa.
De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa.
(Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.)
Cecília Meireles, in 'Poemas (1957)
Lei O que é preciso é entender a solidão!
O que é preciso é aceitar, mesmo, a onda amarga que leva os mortos.
O que é preciso é esperar pela estrela que ainda não está completa.
O que é preciso é que os olhos sejam cristal sem névoa, e os lábios de ouro puro.
O que é preciso é que a alma vá e venha; e ouça a notícia do tempo,
e. entre os assombros da vida e da morte, estenda suas diáfanas asas, isenta por igual. de desejo e de desespero.
Cecília Meireles, in 'Poemas