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Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
O poeta usou todos os verbos no presente para designar acções passadas. O poeta, homem do século XX, que observa, à posteriori, a empresa dos descobrimentos, para melhor visionar as suas causas remotas, assume a perspectiva longínqua de D. Dinis, "o plantador de naus e haver" (seria dos pinhais semeados por este rei que viria a madeira para os navios). Imagina até D. Dinis a compor um cantar de amigo, inspirado pelo rumor desses pinhais que já ondulavam, mas apenas na sua imaginação ("sem se poder ver"). O poeta recua no tempo e escuta, com o rei lavrador, a "fala dos pinhais... o som presente desse mar futuro".
Este presente não é o presente do sujeito da enunciação, mas o presente de D. Dinis e, para o explicar, não basta apenas dizer que é o presente histórico. Há da parte do poeta, a intenção de fazer chegar até nós, de nos fazer escutar, esse cantar jovem do rei e o marulho obscure dos seus pinhais. Tudo isto era, na perspectiva do rei, o pressentimento, embora obscure (“marulho obscure”) de qualquer coisa de grande que estava para vir, era “o som presente desse future”.
É interessante notar que, no poema D. Sebastião, já se emprega não o tempo presente mas o passado. Porquê? Agora dá-se o contrario: é o poeta que, assumindo o ponto de vista de D. Sebastião, o atrai para o seu tempo (o tempo presente do poeta). Se D. Sebastião fala da sua vida passada como se estivesse no tempo do poeta, é normal que use o passado. E também é normal que D. Sebastião surja a falar no tempo do poeta; ele é sobretudo uma figura lendária que já está fora do tempo, porque é