Eu poderia escrever uma história sobre isso. Um livro enorme com setecentas páginas com palavras miúdas impressas contando a tragédia que é estar viva agora. É uma condição, eu sei. Não estar morrendo, mas em contra partida não estar vivendo. Às inteiro, esfolo a pele, lavo os cabelos até criarem pontas duplas, mas a alma não quer sair. Tiro as roupas e ando pela casa tentando me tirar de mim. Nada adianta, e eu não culpo a vida nem ninguém por estar assim. Foi uma escolha, um caminho sem volta, uma rua sem saída que eu entrei. Fechei minhas portas pra que mais ninguém entrasse e bagunçasse as minhas coisas, mas agora tá tudo arrumado demais. Tá tudo limpo e organizado em uma proporção que me sufoca. Eu sinto falta de ser transparente. De deixar todo mundo entrar e sair e não me importar com isso porque amar era bom demais pra perder tempo cobrando permanência. Eu sinto falta dos amigos que eu fui perdendo inevitavelmente pelo caminho - vezes por estupidez da minha parte, eu admito. Saudade é pra quem ama, sentir falta é pra quem perde alguma coisa. E eu sinto, eu sinto demais, eu sinto mais do que eu queria sentir. E é ainda pior quando as chances de recuperar o que se foi perdido escapam pelos dedos com o passar do tempo. A vida colocou oportunidades na minha frente, mas eu estava estagnada, fadigada, e exausta demais para fazer algo a respeito. E o tempo correu veloz com a astúcia de ser sempre quem vence as corridas mais longas. E então a bandeira branca é levantada: precisa-se de paz. Mas a paz também dói, e dói bem fundo. As lembranças não morrem na guerra, mas tudo bem lembrar. Tudo bem se lembrar das risadas que fizeram doer o estômago, porque não tem coisa mais gostosa do que isso no mundo. Mas depois só lembrar não adianta porque perder tudo é uma condição permanente. Eu sinto falta, mas tanta, tanta falta que nas noites mais tristes respirar não é uma opção. Imagino um zíper nas costas e saio de mim mesma por algum tempo porque dentro de mim nesses