Aos inimigos, a lei No Brasil, a lei é sempre para os outros. Até conseguimos vislumbrar a racionalidade por trás de normas positivas, mas, assim que elas passam a provocar algum embaraço a nossas atividades ou à de pessoas próximas a nós, estamos dispostos a ignorá-las ou mesmo burlá-las. "Aos amigos tudo! Aos inimigos, a lei". A máxima é genuinamente brasileira. De acordo com um levantamento feito pela Folha, 20% dos jovens de 16 e 17 anos costumam dirigir carros e motos, mesmo sem ter idade legal para fazê-lo. Destes, 61% se metem atrás do volante ou guidão com alguma frequência. O que mais assusta, porém, é constatar que a maioria conta com a anuência familiar: 60% dos menores que dirigem aprenderam a atividade com seus pais; os 40% restantes, com amigos ou outros parentes. O pendor para a ilegalidade prossegue mesmo depois de completados os 18 anos. Segundo o Ibope, 30% dos jovens entre 18 e 25 anos dirigem sem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), isto é, sem ter sido aprovados nos exames que demonstrariam capacidade técnica e conhecimentos teóricos da legislação. Podemos elencar dezenas de "justificativas" para tal comportamento. Há de fato crianças de 16 anos bem mais responsáveis do que adultos de 40. Ninguém de bom senso nega que o país enfrenta um grave problema de segurança pública e que, sob esse aspecto, andar de carro, especialmente nas madrugadas, é preferível a circular a pé ou tomar ônibus. Também é certo que o cumprimento das exigências burocráticas consubstanciadas nas provas dos Detrans -- os quais, de resto, não são imunes aos ventos da corrupção -- está longe de comprovar a real competência para dirigir. Outro bom argumento é o de que é ilógico autorizar um jovem de 16 anos a escolher os governantes do país, como o faz a Constituição, mas não a conduzir um veículo motorizado. Apesar disso tudo, precisamos decidir se vamos ser uma família ou um país.